O reflexo de uma vida partilhada com o
povo português e com o mundo
O acervo museológico da Casa-Museu reflecte o gosto pessoal e ecléctico de Amália, reflectido aliás nas suas diferentes divisões. Mais do que uma colecção privada estamos perante o reflexo de uma vida partilhada com o povo português e com o mundo.
Acima de tudo diria que não era uma coleccionadora, mas que gostava das suas “bugigangas”, termo que usava para descrever os objectos que a rodeavam.
Os frutos da sua actividade profissional permitiram que, desde o início da sua carreira como artista, pudesse adquirir nas mais afamadas casas de arte e que convivesse com os maiores e melhores artistas, estilistas e aderecistas da época.
Para além disso, Amália fez-se sempre acompanhar por uma simplicidade e uma elegância que lhe permitiam visitar os antípodas: ser uma grande diva dos palcos mundiais ou uma mulher tímida e reservada que viveria em perfeita união com a natureza campestre. Os objectos de Amália são personificações da sua sensibilidade. Em cada vestido, sapato, jóia, tela ou cerâmica aprendemos algo sobre a sua vida e a sua carreira.
Amália adorava sapatos, e esta talvez seja a única colecção em que nos atrevemos a chamar-lhe uma verdadeira coleccionadora. 219 pares de sapatos completam esta colecção onde encontramos sapatos de palco, mas maioritariamente para eventos formais. Sergio Rossi, Prada, Versace, Yves Saint Laurent e Salvatore Ferragamo são algumas das marcas da alta costura que podemos encontrar. Todavia, os itens mais interessantes desta colecção serão os 17 pares de sapatos de palco em que conhecemos a intenção de Amália em disfarçar o seu 1m58. Os sapatos de palco, em plataforma e feitos propositadamente para a nossa fundadora, em Portugal, teriam todos de 15 a 17 centímetros.
Desde o início da sua carreira que Amália se preocupara com a forma como se apresentava em palco, fosse num grande palco mundial ou numa casa de fado Lisboeta. Este cuidado estético permitiu-lhe reunir uma extraordinária colecção de jóias que hoje completam o acervo da Fundação Amália Rodrigues. No que diz respeito a jóias, a imagem de marca de Amália são os brincos longos e brilhantes que seriam visíveis da última fila da sala de espectáculos. As jóias de Amália são maioritariamente trabalhos feitos em Portugal, tirando algumas excepções como, por exemplo, um colar Cartier em ouro branco, diamantes, rubis e esmeraldas, de origem francesa. Pulseiras, anéis, pregadeiras e brincos são alguns dos objectos que podemos encontrar, trabalhados em ouro, filigrana, diamantes e ametista, referentes aos séculos XVII, XVIII, XIX e XX.
Uma vida dedicada à música e à cultura transformou Amália num heterónimo de Portugal. Actuar nos quatro cantos do mundo permitira que Amália fosse admirada por diversos públicos e países sendo considerada como uma das maiores cantoras do século XX. Por essa razão, Amália é hoje a mulher portuguesa mais condecorada da história. Portugal, Espanha e França condecoraram-na com as mais altas ordens honoríficas, seguindo-se-lhes Israel, Líbano, Bélgica, Brasil, Macau e Japão. É de destacar a Légion D’Honneur (1991) de França, o grau de Grã-Cruz da Ordem de Isabel a Católica em Espanha (1990), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique em Portugal (1998) e a atribuição de membro da Ordem Nacional dos Cedros do Líbano (1971). Notemos que o Brasil condecora Amália a título póstumo com a Ordem do Cruzeiro do Sul (2001) e a comunidade portuguesa nos Estados Unidos da América e no Canadá atribuiu-lhe, ainda em vida, diversas congratulações pelo serviço prestado à cultura portuguesa: são exemplos o Amália Rodrigues Day em Toronto, em 1985, e a congratulação do estado de Rhode Island em 1970.
Para Amália o que importava era a beleza dos objectos e não a sua escola ou técnica. Ao observarmos a decoração da sua casa percebemos a dualidade na personalidade e no gosto de Amália. As porcelanas da Companhia das Índias combinam na perfeição com as figuras religiosas e os trabalhos em alabastro italiano, do século XVII. É de destacar o original do busto de Amália, da autoria do escultor Joaquim Valente, dois patos vermelhos de Murano e a Última Ceia em pedra, feita por Chica uma amiga artesã. Um menino Jesus sentado, do século XVII, acompanha a decoração do salão da casa juntamente com um relógio em bronze dourado do século XIX e dois pés de fruteiro de bronze, trabalho francês do século XVIII. Numa casa onde podemos encontrar uma escultura de José Franco encontramos também uma tapeçaria com cena de caça do século XVIII ou uma peça em madeira pintada com motivos ortodoxos do século XIX. Estando em casa de Amália não podia faltar uma guitarra portuguesa com granadas, turquesas e minas novas do século XVII, uma guitarra portuguesa e um bandolim com embutidos, ambos do século XIX e um piano de meia cauda da Casa Petrov. A casa, decorada de acordo com a sensibilidade de Amália, é um edifício anterior ao terramoto de 1755, revestido com lambril de azulejos azuis do século XVII e XVIII.
Desde gravuras a retratos, passando pelas paisagens, a casa de Amália tem diversas pinturas de arte. Alguns dos autores que podemos encontrar são Pinto Coelho, Ribo, Van Boomen, Menez, Mário Cesariny, Cargaleiro, Jacinto Luís, Eduardo Malta, entre tantos outros. É de destacar os retratos de Amália feitos por Pinto Coelho (1990), Maluda (1966), Pedro Leitão (1946), Eduardo Malta (1948) e Jacinto Luís (1980).
A sofisticação e o apuramento clássico da casa estão reflectidos no mobiliário de Amália. Destaca-se um canapé português em nogueira entalhada e palhinha do 3ºquartel do século XVIII, uma arca portuguesa em sicupira do século XVII e ainda três cadeiras de nogueira entalhada parcialmente dourada do tempo de D. José. Duas meias cómodas em pau santo, feitas em Portugal no século XVIII, um tremó italiano em talha dourada do século XVIII, uma cama pintada D. Maria do século XVIII e um oratório português policromado do século XVII.